"Esquecemo-nos", escreve
Malcolm Muggeridge, "que Jesus é o profeta dos derrotados, não o
acampamento dos vitoriosos; aquele que proclama que os primeiros serão os
últimos, que os fracos são os fortes e que os simples são os sábios" (O
Fim da Cristandade, p. 56). Em nenhum lugar este fato é mais evidente do
que nas bem-aventuranças. Como já notamos em nosso estudo precedente, o vazio,
não a plenitude, é a chave para a felicidade.
"Bem-aventurados os que têm
fome e sede de justiça, porque serão fartos" (Mateus 5:6). A palavra
"fome", nesta bem-aventurança, é a mesma usada por Mateus no
capítulo precedente (4:2), ao falar do jejum de 40 dias de Jesus no deserto.
Desde que tal fome desesperada é grandemente estranha a nossa experiência,
muito desta metáfora pode ser perdida em nós. A bem-aventurança fala do
profundo vazio espiritual que está levando à morte. Mas o paralelo não é
absoluto. Há uma diferença fundamental entre estar de estômago faminto e de
coração faminto. Até mesmo as pessoas mais insensíveis são movidas pela
fome do corpo, entretanto, parece haver poucos que reconhecem a fome do
espírito e o vazio que o pecado produz. Espiritualmente falando, os homens se
parecem com corpos semi-mortos, mas eles teimosamente se recusam a reconhecer a
medonha falta de significado da vida sem Deus. Nem todos os que estão numa
"terra distante" têm a sanidade mental para confessar, como o
pródigo, que "morro de fome" (Lucas 15:17)! Tais indivíduos
continuam a procurar, insensatamente, alguma "casca" melhor, para
encher o vazio. Aqueles que "têm fome e sede de justiça" resolveram
enfrentar sua desesperada necessidade, pelo que ela é, e procurar o alimento
que a satisfaz.
A "justiça" que estas
almas deslocadas e oprimidas pelo pecado procuram é, primeiro de tudo, a
justiça de um direto relacionamento com Deus, através do perdão e da
justificação (Romanos 5:1-2; 2 Coríntios 5:20-21) e, segundo, a justiça
concreta de uma vida transformada (Romanos 6:8; 8:29). Elas não só desejam
sentir-se justas, mas fazer justiça. Ambas as idéias de justiça estão
presentes no sermão (5:7 e 5:10,20-48; 6:1). Deus não somente está
determinado a perdoar-nos, mas a mudar-nos, para nos fazer participantes da
divina natureza (2 Pedro 1:4). E ele nos tem assegurado que vamos ser como ele
(Mateus 5:48).
Que maravilhosa esperança!
Há, embutido em cada ser humano,
uma inevitável necessidade de Deus. Esta fome de Deus é comoventemente
expressada por Davi, quando fugia de Saul: "Minha alma tem sede de ti; meu
corpo te almeja, numa terra árida, exausta, sem água" (Salmo 63:1). O
pecado colocou, em cada homem, um vazio que Deus criou. Caracteristicamente,
tentamos aliviar nossa dor enchendo-o com todos os tipos de inacreditável
escória. Mas seria melhor tentarmos despejar as cataratas de Foz do Iguaçu
dentro de uma xícara de chá do que procurar satisfazer nossos espíritos à
semelhança de Deus com meras "coisas" e emoções carnais. Incapaz de
satisfazer nossa necessidade fundamental, o dinheiro, o prazer e até mesmo a
sabedoria mundana tornam-se a base de um apetite insaciável, que nos deixa
vazios, irrealizados e acabados (Eclesiastes 5:10-11). Nunca poderemos ter,
sentir ou conhecer o suficiente, para encontrar contentamento sem Deus. O que
precisamos é de justiça e, como Jesus diz, aqueles que anseiam por ela estão
destinados a conhecer uma transcendente satisfação e paz: "Serão
fartos" (Mateus 5:6).
Há, nesta bem-aventurança, um
chamado para mudança de prioridades. Para muitos de nós, um justo
relacionamento com Deus é visto como uma parte importante da "boa
vida" que todo indivíduo bem formado deveria ter, mas isso não é tudo,
certamente. Jesus diz que esse relacionamento com Deus tem que ser mais do que
um interesse vital, ele tem que se tornar a paixão dominante de nossa
existência. Tudo em que pessoas verdadeiramente famintas podem pensar, é em
alimento.
"Bem-aventurados os limpos
de coração" (Mateus 5:8). J. B. Phillips traduz esta frase,
"Bem-aventurados os absolutamente sinceros", e este pareceria refletir
o verdadeiro significado das palavras de nosso Senhor. A limpeza, nesta
bem-aventurança, não se refere à perfeita justiça da vida e, dado o fato que
as qualidades de atitude (coisas que nós temos que fazer, em contraposição
com o que Deus faz) dominam esta parte deste sermão, é improvável que se
refira principalmente à pureza de um coração perdoado. É muito mais
provável que fale da pureza de uma devoção sincera (Mateus 6:22-24; 2
Coríntios 11:2), uma atitude que é possível até para os pecadores (Lucas
8:15).
Tiago faz este uso da limpeza quando ele insiste: "Chegai-vos a Deus
e ele se chegará a vós outros. Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois
de ânimo dobre, limpai o coração" (Tiago 4:8). A verdadeira visão de
Deus não será concedida aos astutos e calculistas, que se dão a jogos
desonestos; ou aos de mente dupla, que nunca podem completamente firmar ambos os
pés no reino (Tiago 1:7-8), mas àqueles que são absolutamente honestos e
sinceros de coração para com Deus. Eles verão a Deus (5:8), não como os
judeus no Sinai, mas no pleno entendimento de um íntimo relacionamento com ele
(João 3:3-5; 14:7-9). É uma velha questão, com uma velha resposta.
"Quem", pergunta Davi, "subirá ao monte do Senhor?
Quem há de
permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração"
(Salmo 24:3-4). Se você deseja ver a Deus com todo o seu coração, você
verá. Pessoas assim não permitem que nada se interponha no seu caminho.
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